Ch de Dvidas

A ousadia de um jovem narrador ateu


Aproxima-se a Bienal do Livro de São Paulo e, se eu lá estivesse, teria um motivo para ir a esse evento: encontrar pessoalmente Carlos Patrício Alberto, um jovem que desponta agora com seus dois primeiros livros, “Delirium”, de contos e “Provocações Reflexivas & Reflexões Provocativas”, de versos.

Desses dois livros, o primeiro (“Delirium”, publicado pela Editora Página 42) me causou uma excelente impressão. Esse estreante, que ainda não completou 30 anos, aceita desafios que intimidam autores mais velhos e mais experientes e passeia por vários temas e gêneros da narrativa.

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Como ficcionista, Patrício flerta com o suspense e o sobrenatural, anunciando-se como um seguidor de mestres como Stephen King, em contos como “Doutor Sádico” e “Truco!”. Propõe discussões éticas e mimetiza diálogos pelos novos meios de comunicação instantânea que surgiram nos últimos anos no conto “Telefone Sem Fio”, no qual a notícia de uma nova doença sexualmente transmissível se espalha mais rapidamente que o vírus e com ela a reputação de um jovem infectado. Reconta a milenar parábola do Filho Pródigo, ornamentada de várias citações musicais, caras aos fãs do rock, no conto “Lindos Sonhos Dourados”, mas o conto mais original de todo o livro é “A questão de todas as questões”.

Quando li esse conto, senti como se voltasse à adolescência e estivesse de novo tendo meu primeiro contato com a Filosofia. A primeira vez que li textos filosóficos foi quando, aos 16 anos, um professor me emprestou um livro cujo conteúdo eram 4 obras de Platão: “Eutífron”, “Apologia de Sócrates”, “Críton” e “Fédon”. Platão registrou suas ideias (atribuindo-as a Sócrates), por meio de diálogos. E embora suas obras sejam encontradas na estante de Filosofia em livrarias e bibliotecas, por que não colocá-las entre as obras de ficção, pois como afiançar que esses diálogos realmente aconteceram e, caso tenham acontecido, se deram da forma que Platão os registrou, anos depois da morte de Sócrates, confiando apenas na memória, “sem gravador nem estenografia”, como alfinetou Saramago sobre o caso no “Manual de Pintura e Caligrafia”?

Se você leu “Deus, Um Delírio”, de Richard Dawkins, vai se deliciar com “A questão de todas as questões”. Tal como Dawkins, Patrício é ateu e milita contra a excessiva intromissão da religião em nossas vidas (haja visto esse asqueroso parlamento que temos e cuja maioria, adepta da Inquisição, se esforça para sufocar nossas liberdades e vende para seu eleitorado ignorante a ideia de que é possível e desejável controlar a consciência e a vida íntima do vizinho). Mas, se Dawkins defende num longo ensaio as suas posições materialistas e racionais, Patrício faz um conto filosófico, não com o humor de Voltaire, mas com a agudeza e a elegância de Carl Sagan, e, se o seu texto não é todo um diálogo, como os textos de Platão, as partes narrativas são mínimas: é no debate das ideias que ele concentra seus esforços. Os dois personagens que dialogam são um médico e sua prima doente. O médico se esforça por preservar débeis crenças espirituais e pede que a prima faça o mesmo, pois crê que a crença será útil em sua recuperação – no mínimo, teria um efeito placebo – e a prima, racionalista e estoica, rejeita qualquer ilusão, por mais doce que lhe pareça, por uma realidade amarga e concreta, se agarrando não a ajudas imaginárias, mas tão somente aos recursos da Ciência. O conto não é o melhor do livro (tive mais prazer lendo “Truco!’ e “Lindos Sonhos Dourados”), mas tem o mérito de ter feito em 50 páginas o que Dawkins fez em mais de 500!


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4 respostas

  1. Muito feliz com o post! Nem sei como agradecer, Edson Amaro 😉
    Amigos hereges que quiserem um exemplar, só me pedir por inbox. Fiquem com Odin!

  2. Rayra Chaves Rayra Chaves disse:

    Michel Beneducci gostei da ozadia, ja da pra gente incluir nas proximas leituras :v

  3. Rayra Chaves Rayra Chaves disse:

    Michel Beneducci gostei da ozadia, ja da pra gente incluir nas proximas leituras :v

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