Ch de Dvidas

Escola com censura (Parte I)


Agora que o “governo de salvação nacional” de Michel Temer recebeu no Ministério da Educação o reconhecido filósofo Alexandre Frota, é preciso que perguntemos: para que serve a escola e como se aplica o programa “Escola Sem Partido”, defendido por ele e “democratas” da estirpe de Marco Feliciano, Jair Messias Bolsonaro, Silas Malafaia e companhia?

A Constituição Federal dispõe o seguinte no artigo 205, ao falar de Educação: “A Educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Mais adiante, o artigo 206 determina:

“O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;

III – pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;

IV – gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;

V – valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas;

VI – gestão democrática do ensino público, na forma da lei;

VII – garantia de padrão de qualidade;

VIII – piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos da lei federal.”

O programa Escola Sem Partido é proposto por pessoas que nunca fizeram nada em prol dos incisos IV, V, VI, VII e VIII e agora querem apunhalar os incisos I, II e III.

Preciso demonstrar o que digo. Gente que não frequenta bibliotecas foi às ruas vestida de verde e amarelo gritar contra Paulo Freire, do qual eu estou longe de ser um fã, mas as críticas que faço a ele, as faço depois de ter lido sua obra (até onde sei, ele nunca deu aulas para crianças, então toda a sua pedagogia é baseada num diálogo responsável entre professores que querem ensinar e adultos que querem aprender e há uma cooperação e troca de conhecimentos entre ambas as partes – o que não dá para reproduzir quando você dá aula numa escola rural para crianças que estão ali porque a lei as obriga e não se interessam pelo que você tenha a dizer nem querem cooperar com o seu trabalho dando sugestões pertinentes – se essa é a sua curiosidade, eis aí minha principal restrição a Paulo Freire). Ou seja, como sempre, vemos uma multidão de ovelhas que se deixam manipular e repetem frases prontas sobre o que não entendem.

Essas pessoas repetem como papagaios que o PT produziu um “kit gay” para as escolas. (Lembremos que o kit anti-homofobia foi vetado por Dilma, cedendo à chantagem de Feliciano, que ameaçou chamar o ex-ministro Palocci para uma CPI caso o material chegasse às escolas. E todos condenaram o material sem que quase ninguém o tivesse visto. É assim que os governantes cuidam da Educação nacional. Inclusive, a boataria promoveu o curta-metragem “Eu Não Quero Voltar Sozinho”, que muitos acreditaram fazer parte desse kit. Os três curtas que faziam parte do kit se chamam, na verdade, “Torpedo”, “Encontrando Bianca” e “Probabilidades”. (Este link levará você até eles.) Falam contra uma tal de “ideologia de gênero” – coisa que não consta de nenhum texto de militante LGBT. Um tal de Percival Puggina chega a dizer, no texto “A pedofilia vai à escola”, que “Um desses livrinhos vem com a recomendação, aos pequenos leitores, de que devem conservar o referido ‘material escolar’ fora do alcance dos pais…” Ora, isso é algo muito grave para se escrever num livro didático. Por que o senhor Puggina não diz claramente que obra é essa?

Em 11 anos de magistério, tive apenas uma aluna travesti. Devo entender que travestis são uma espécie em extinção, mais rara que as araras azuis, ou que essas pessoas veem a escola como um ambiente hostil e dela se afastam? Se a Educação é direito de todos e dever do Estado, como diz a Constituição Federal, e se um dos objetivos fundamentais de nossa República é, conforme diz a mesma CF, no artigo 3º, inciso IV “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”, a escola precisa se transformar de modo a acolher essas minorias. E vamos nós fazer de conta que a homossexualidade, a bissexualidade e a transexualidade não existem? No dia 25 de fevereiro de 2014, o jornal O GLOBO publicou uma matéria sobre Julia Dutra, diretora do Colégio Estadual Max Fleiuss, no bairro da Pavuna, Rio. E aí? Trata-se de “ideologia de gênero”, esse fantasma que ronda a Educação, ou da vida real de uma funcionária pública? O que os puritanos propõem com educadores como ela? Jogá-lo(a)s debaixo do tapete? E se a professora de Geografia negra for vista chegando à escola de carona com uma nipônica e dando selinho nela ao sair do carro? Ela deve dizer aos alunos que é sua irmã e não sua esposa? Em Nova Iguaçu, RJ, foi aprovada recentemente uma lei que proíbe que se dê qualquer informação aos alunos sobre os direitos conquistados pelos LGBTs. Então o professor de Matemática, que é casado com um homem e adotou uma criança, quando perguntado pelos alunos se é casado e tem filhos, deve dizer que não, e deixar sua aliança em casa?

O projeto Escola Sem Partido tem como única motivação negar informações aos jovens.

Este texto está grande. Voltarei ao tema depois!


Este texto, como os das demais colunas opinativas do portal, é de responsabilidade do autor e não reflete necessariamente o ponto de vista dos demais colunistas ou do papodeprimata.com.br.


Edson Amaro De Souza

Edson Amaro perdeu toda e qualquer esperança de ser normal. Paga suas contas lecionando Língua Portuguesa na rede estadual do Rio de Janeiro, delicia-se praticando teatro de vez em quando, comete a imprudência de escrever versos, atreve-se a praticar a arte da tradução e, como se não bastasse, torce pelo Vasco da Gama. Gosta de tomar chá e semear dúvidas.

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8 respostas

  1. A sensação que tenho é que tanto a esquerda quanto a direita vão fazer projetos desse tipo quando suas ideologias de estimação não estiverem dominando a educação. Tem exemplos gritantes de doutrinação em materiais escolares que enaltecem o comunismo, romantizam Cuba e atacam os EUA. Da mesma forma, acho absurda a obrigação de rezar durante aulas e ensino religioso obrigatório. Alias, tanto a esquerda quanto a direita praticam negacionismo ou revisionismo científico, como a o ensino de design inteligente ou recusa de ensinar evolução, ou teorias de que “sexo é uma construção social” e ensino de feminismo nas escolas. História então, nem se fala.
    Por isso, eu defendo sim um projeto que evite a escola se tornar um campo de batalhas de ideologias, mas não com os moldes de censura, e sem substituir uma ideologia por outra.

    • Daniel Mota Daniel Mota disse:

      Duas coisas que preciso te dizer.
      Não existe “escola sem ideologia”, quando não aparece nenhuma ideologia, existe uma ideologia, porque não existe neutralidade possível numa sociedade de classes sociais antagônicas.
      A esquerda que nega a ciência e fala que “sexo é construção social” não é a esquerda marxista, é a pós moderna, cuja maiores aspirações é legalização da maconha e da permissão do casamento homoafetivo.

    • A “escola sem partido” na verdade é uma escola com modelo conservador de ensino, igual na ditadura militar. Nada nesse mundo existe sem ideologia, somos seres pensantes.

    • Feminismo é a ideia diabólica de que homens e mulheres devem ter as mesmas oportunidades e que por isso o homem não deve ser “a cabeça da mulher” como dizem as igrejas. Só isso.

    • Tenho concordar com os colegas que total neutralidade é impossível, mas transformar a escola em plataforma de propaganda política, aparentemente o ponto central da pedagogia de Freire e Cia., é uma péssima ideia. A escola serve para transmitir conhecimento, e não morais, boas maneiras, visões políticas ou religiões. E a educação brasileira já é precária para transmitir conhecimento básicos.

      Edson, o erro mais comum ao se julgar o feminismo é partir do pressuposto que ele é homogêneo. Não é. Os próprios feministas se definem de maneiras diferentes. Para alguns autores, feminismo é sobre igualdade, para outros é sobre igualdade de oportunidades, para outros é igualdade de resultados, para outros é uma espécie de corporativismo de gênero, para outros é sobre supremacia feminina. E mesmo em grupos moderados é possível encontrar negacionismo científico, como afirmar que os cérebros masculino e feminino não tem diferença, que ciência moderna é machista, que gêneros não existem… Fora ideias estapafúrdias como “todo homem é estuprador em potencial”, teorias da conspiração e má interpretações de estatísticas. E aí, qual vertente do feminismo seria ensinado? Quem julgaria qual é a correta?

  2. Escola não devem impor ideais.
    Deve se mostrar o regime violento de Stalin, Coreia do Norte e Cuba da mesma forma que o 3º Reich, A miséria Vitoriana dos escravos de maquinas e a pobreza intelectual-monetária Capitalista.

    Socialismo sem Liberdade gera desgraça e violência na mesma proporção que acumulo livre de capital sem socialismo gera pobreza e crimes aos montes.

    Ainda haverá uma época em que homens não penderão para lados, mas usarão o melhor de cada um. Também precisarão de comandantes. Mas com toda a certeza ainda não estamos nesta época.

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