Um aracnídeo chamado Smeagol


Equipe brasileira nomeia nova espécie de opilião homenageando personagem de O SENHOR DOS ANÉIS e descoberta vira notícia na mídia internacional. PAPO DE PRIMATA entrevistou um dos membros da equipe.

A descoberta de uma espécie de aracnídeo que vive em cavernas do estado de Minas Gerais, feita por uma equipe de brasileiros, foi alvo de uma inesperada atenção da mídia mundial na última semana. O motivo, além da óbvia importância da identificação de uma nova espécie, foi a inusitada e bem humorada escolha do nome da espécie: homenageando um dos mais famosos personagens de O Senhor dos Anéis, o opilião cavernícola brasileiro foi batizado de Iandumoema smeagol.

Numa entrevista exclusiva, um dos membros da equipe conta a PAPO DE PRIMATA detalhes sobre o aracnídeo, como ocorreu a descoberta, a escolha do nome e a repercussão da pesquisa!

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Os opiliões compõem a terceira mais numerosa ordem dos aracnídeos, a Opiliones, sendo esta menor apenas que as ordens dos ácaros e carrapatos e a das aranhas. Não é incomum que, por causa da semelhança superficial, sejam confundidos com aranhas, embora um exame atento revele várias diferenças morfológicas e comportamentais. São conhecidas mais de 6.500 mil espécies de opiliões ao redor do mundo, mas este número pode passar de 10.000. Só no Brasil, vivem 1.000 destas espécies, e pelo menos 10 delas são cavernícolas.

A equipe do  Laboratório de Estudos Subterrâneos da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR) inventariava aracnídeos em cavernas de algumas regiões no centro-norte do estado de Minas Gerais, quando encontrou, no fundo da Toca do Geraldo1A Toca do Geraldo recebeu este nome da própria equipe de pesquisa, em homenagem a um morador local que indicou a localização da caverna, ao ser abordado enquanto capinava., uma espécie totalmente nova, com morfologia que evidenciava a especialização para vida em cavernas. Tratava-se de uma espécie de opilião cego e despigmentado (características comuns de animais em locais com ausência de luz), com o segundo par de pernas muito alongado, servindo como apêndice sensorial para para localização e reconhecimento através do tato.

Iandumoema smeagol

Iandumoema smeagol

A espécie também foi encontrada em outra gruta a quase 7 quilômetros dali, a Lapa do Santo Antônio, indicando uma possível conexão entre ambas as cavernas (o que aumenta bastante a área onde o opilião pode viver). O que se sabe até o momento é que a espécie parece ser endêmica destas duas cavernas, não sendo encontrado qualquer sinal da existência destes opiliões fora delas (até porque o ambiente naquela região é muito seco fora das cavernas, o que dificultaria a saída destes animais). Os pesquisadores temem que esta incapacidade ao meio externo tenha colocado a espécie em risco de extinção, o que pode exigir alguma proteção para sua preservação (algo que será estudado com o avanço da pesquisa).

Smeagol era o nome de um dos personagens mais populares da obra de J. R. R. Tolkien. Ele era um hobbit que, seduzido pelo Um Anel, passou a viver durante séculos em uma caverna escondida, deformando-se sob o efeito da loucura e ambição pela jóia (que chamava de seu “precioso”) e a ser conhecido como a criatura Gollum. A ideia de nomear o opilião com o nome do personagem veio da professora e doutora em zoologia Maria Elina Bichuette, coordenadora da equipe que descobriu a espécie e fã declarada do universo tolkiano.

Inesperadamente, o artigo científico descrevendo o I. Smeagol (publicado no último dia 18, na revista Zookeys) logo chamou a atenção de vários veículos da imprensa internacional! A curiosidade pelo opilião com um nome tão criativo virou notícia no Washington Post, na Time, na New Scientist, no USA Today, na National Geographic e até no programa de televisivo americano The Late Show with Stephen Colbert!

rafael

Rafael da Fonseca Ferreira

A descoberta do agora famoso opilião é fruto do desenvolvimento de pesquisa de mestrado Rafael da Fonseca Ferreira (também um dos autores do artigo). Rafael tem 27 anos, é biólogo e mestre em Biologia Comparada pela Universidade de São Paulo. Tendo sido orientado no mestrado pela Dra Bichuette, do Laboratório de Estudos Subterrâneos (LES) da UFSCar, o foco da sua pequisa foi inventariar a fauna de aracnídeos em cavernas da porção meridional da Cadeia do Espinhaço (mais precisamente, cavernas de Diamantina e Monjolos, em MG), e foi neste projeto que o I. Smeagol foi encontrado. Tendo mais dois artigos submetidos e alguns em fase de finalização, Rafael fez a gentileza de nos ceder um pouco do seu tempo e responder a uma entrevista sobre esta interessante descoberta.separador2

▪Como foi a descoberta deste aracnídeo? Sua equipe já desconfiava da existência daquela espécie, ou foi uma surpresa encontrá-la?
Foi surpreendente! Explorar regiões e cavernas até então desconhecidas para a ciência é sempre gratificante. E foi isso que fizemos no meu mestrado em Biologia Comparada pela Universidade de São Paulo: inventariar a fauna de aracnídeos em cavernas inseridas em uma região até então nunca estudada no contexto espeleobiológico: as regiões de Monjolos e Diamantina, Minas Gerais. Quando se considera todos os problemas relacionados ao impedimento taxonômico, ou seja, uma relação inversa entre a alta biodiversidade, comum a um país megadiverso como o Brasil, e o baixo número de taxonomistas formados e atuantes no país, sempre é esperado a descoberta de novas espécies. Apesar disso, não é todo dia que se encontram espécies troglóbias2São chamados de troglóbios animais que se especializaram para a vida dentro de cavernas., muito menos espécies altamente modificadas como o opilião Iandumoema smeagol. Logo, foi uma surpresa encontrá-la!

▪Como surgiu a ideia de nomear esta espécie com o nome de um personagem da obra de Tolkien? Esta escolha foi aceita facilmente ou houve algum tipo de dúvida sobre esta decisão?
Tanto a minha orientadora, Dra Maria Elina Bichuette, quanto eu já somos fãs de longa data de toda mitologia cunhada por Tolkien, então quando o nome foi proposto, foi prontamente aceito pelos três autores do artigo. [nota: o biólogo e doutor em zoologia Ricardo Pinto da Rocha, descritor do gênero Iandumoema e especialista em opiliões, divide com Bichuette e  Ferreira a autoria do artigo.]

▪A descoberta teve uma boa divulgação na mídia internacional. Vocês em algum momento da pesquisa imaginaram que algo assim podia ocorrer?
Por ter um nome que é amplamente reconhecido no mundo inteiro, nós esperávamos alguma divulgação, mas em nenhum momento imaginávamos que o artigo teria uma repercussão tão grande na mídia internacional. Isso se torna mais impactante quando se leva em consideração que geralmente descrição de espécies de invertebrados, ainda mais cavernícolas, geralmente não são amplamente divulgadas na mídia.

A equipe em plena pesquisa.

A equipe em plena pesquisa.

▪Como está sendo a reação desta ampla divulgação no Laboratório de Estudos Subterrâneos e na UFSCar?
Sempre é motivo de orgulho quando qualquer artigo é publicado pelos membros do LES. É o resultado de um trabalho árduo, determinado e que tem como principal objetivo conhecer e conservar a fauna escondida em nossas cavernas e entender as relações ecológicas e evolutivas deste ambiente.

▪Naturalmente, a publicidade ajuda o desenvolvimento da atividade de pesquisa, sobretudo em um país que não demonstra muito interesse pela ciência. Essa divulgação já trouxe algum resultado prático para o trabalho de vocês? Há algum vislumbre de como esta publicidade pode ajudá-los no futuro?
Quando um trabalho científico é amplamente divulgado na mídia, não são apenas os olhos da comunidade civil que se viram para tais resultados, mas também a academia, o governo, as agências de fomento e possíveis interessados em investir em pesquisa. Tal publicidade é um ponto forte para que a espécie, já endêmica e ameaçada, seja incluída em listas vermelhas de espécies ameaçadas e a região seja melhor estudada e monitorada ambientalmente.

▪Fale-nos por favor sobre o trabalho do Laboratório de Estudos Subterrâneos da UFSCar.
A linha de pesquisa do Laboratório de Estudos Subterrâneos, coordenado pela Dra. Maria Elina Bichuette, é a Espeleobiologia ou Biologia Subterrânea, a qual foca estudos sobre a fauna subterrânea brasileira. Realizamos pesquisas nas áreas de biodiversidade e conservação, ecologia de populações, comportamento e sistemática de táxons subterrâneos. O contexto dos estudos é ecológico-evolutivo, focando a biologia comparada e buscando detectar especializações relacionadas ao isolamento no meio subterrãneo. No contexto ecológico, buscamos mapear a biodiversidade subterrânea brasileira, identificando e interpretando a ocorrência de hot-spots de biodiversidade, além de investigar os possíveis fatores históricos que moldam a composição dessas comunidades visando a elaboração de políticas para proteção do patrimônio espeleológico brasileiro.

Iandumoema smeagol

▪Conte-nos sobre o opilião descoberto.
Está e a terceira espécie pertencente ao gênero Iandumoema. Tal gênero, descrito pelo Dr. Ricardo Pinto-da-Rocha, um dos autores do artigo, até então só foi encontrado em cavernas inseridas na região centro-norte de Minas gerais, e é exclusivamente troglóbio. A espécie Iandumoema smeagol possui como principal diferencial a ausência total de estruturas oculares, sendo a segunda espécie de opilião cega do país, além de pernas muito longas que chegam a ser cinco vezes mais longas que o corpo. Tais modificações morfológicas, conhecidas como troglomorfimos, demonstram que a população desta espécie já está isolada a milhares de anos no ambiente subterrâneo.

▪Um equívoco muito comum entre leigos é o de confundir opiliões com aranhas. Como podemos diferenciá-los facilmente?
Ao contrário das aranhas, que possuem o corpo dividido em cefalotórax e abdômen, pernas de tamanhos geralmente semelhantes, produzem seda para confecção das teias e são predadoras, os opiliões possuem seu corpo fundido, possuem pernas com tamanhos diferentes, não produzem seda e são onívoros. Opiliões também não são venenosos, e para se defenderem de possíveis predadores possuem glândulas odoríferas, que secretam um líquido com um cheiro característico quando é perturbado.

▪Como é ser pesquisador científico no Brasil?
Faltam recursos e investimentos em todos os setores de produção de conhecimento, desde a formação dos novos profissionais e pós-graduandos, que recebem bolsas extremamente baixas quando se leva em consideração que já são profissionais formados e produtivos cientificamente, até a manutenção de laboratórios e pesquisas a longo prazo, que muitas vezes necessitam de campos constantes como é o caso das ciências ambientais. Em um país que mal investe em educação de qualidade e acessível a todos, infelizmente a palavra que mais define a pesquisa científica no país é improvisação. Para conseguir resultados satisfatórios se faz necessário a elaboração de projetos que competirão com outros, para que possam ser financiados por agências e institutos de fomento e a parcerias entre laboratórios e universidades.

Gollum-Review

Acesse o artigo científico descrevendo o I. Smeagol através do link abaixo:
http://zookeys.pensoft.net/articles.php?id=6073

Notas

Notas
1 A Toca do Geraldo recebeu este nome da própria equipe de pesquisa, em homenagem a um morador local que indicou a localização da caverna, ao ser abordado enquanto capinava.
2 São chamados de troglóbios animais que se especializaram para a vida dentro de cavernas.

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23 respostas

  1. Juliana Gomes.. saca isso… hahahhaa

  2. Foi um prazer contribuir na divulgação das pesquisas em biologia subterrânea no país respondendo perguntas tão elaboradas

  3. Thiago Lopes Thiago Lopes disse:

    Jéssica Oliveira, o Smeagol existe mesmo. Kkkkkkk

  4. quando ainda era o hobbit Smeagol ele ñ vivia na caverna só depois dos efeitos do anel quando virou o Gollun

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