O Andar do Bbado

Corram para as colinas: o Ebola chegou!


Calma, calma, calma… será que chegou mesmo?

dodental-ebola-opgelopen-1427Recebemos recentemente a notícia da primeira suspeita de um caso de Ebola no Brasil. Felizmente, os testes para a doença foram negativos. Mas sabemos que em resultados de testes de doenças há sempre uma taxa de ocorrência de falsos positivos e falsos negativos. Já imaginou o que aconteceria caso o resultado do teste fosse um falso negativo? Devemos mesmo nos preocupar?

Imaginemos um caso hipotético: você suspeita que está doente, de qualquer coisa, como… diarreia. E para ter certeza disto, faz um teste. Abre o envelope, e o resultado dá positivo. Você quase desmaia, mas isto significa que você está realmente com diarreia? Você então olha as especificações do teste, que indica:

  • Taxa de ocorrência de falsos positivos: 2%
  • Taxa de ocorrência de falsos negativos: 3%

Então, você pensa: “Caramba! A minha probabilidade de estar doente é de 98%!“. Afinal, 100% – 2% = 98%, não é?

Ledo engano, meu caro amigo! Primeiro, temos que analisar qual é a pergunta a ser respondida, e se 98% é realmente a resposta para ela. A pergunta que queremos responder é “qual é a probabilidade de eu estar doente se o teste deu positivo?“. Este 2%, no entanto, é a resposta para a pergunta “se eu não estiver doente, qual é a probabilidade do teste dar positivo?“. São duas perguntas diferentes! É claro que não terão a mesma resposta!

Se o seu teste deu positivo, pode ser um de dois tipos de caso: alguém que está doente e o teste deu positivo; ou alguém que não está doente e o teste deu um falso positivo. Você quer saber se está incluído no primeiro grupo de pessoas. Vamos então a um pouco de matemática… (Acalme-se! Não usaremos nada mais complicado do que divisão de números reais).

Uma informação da qual precisamos, além das já citadas é a taxa de incidência dessa doença na população, ou seja, o percentual de infectados na população. Para facilitar, vamos supor que estamos tratando de uma população, na nossa amostragem, de 100 mil pessoas. Imaginemos que a diarreia nesta população seja uma uma doença rara, com baixa incidência: 1 a cada 1000 pessoas é doente (o que corresponde a uma incidência de 0,1%). Então, dessas 100 mil pessoas, apenas 100 estão doentes, aproximadamente.

Como a taxa de falsos negativos é de 3%, o teste acusará (corretamente) que 97 destas pessoas estão doentes, mas informará incorretamente que 3 delas não estão. Ou seja, a probabilidade de você estar doente é de 97 em 100 mil = 0,097%, certo?

Claro que não! O fato de você ter feito o teste não poderia diminuir a probabilidade de 0,1% para 0,097%. Por mais que a diferença seja pequena, a probabilidade deveria aumentar (assim como um resultado negativo deveria fazê-lo diminuir)! Mas o que há de errado? Simples: não podemos mais usar como número total a população inteira, mas somente aquela cujo teste deu positivo! Afinal, esta é uma informação que você já tem. Se seu teste deu positivo, não pode ser tratado da mesma forma que um caso que não foi testado!

O número pelo qual devemos dividir, portanto, é o total de pessoas que obtiveram resultado positivo no teste. Quantos são? O número de pessoas sadias que obtiveram um falso positivo, somados com os 97 calculados anteriormente. Vejamos:

Sabemos que aproximadamente 100 pessoas estão doentes. Então, a quantidade de pessoas sadias é aproximadamente 100 000 – 100 = 99 900.

Multiplicado pela taxa de ocorrência de falsos positivos, temos: 99 900 x 2% = 1998. Esta é quantidade de pessoas diagnosticadas incorretamente como doentes…

A este número adicionamos as 97 pessoas que foram corretamente diagnosticadas como doentes! 1998 + 97 = 2095

Então, a probabilidade final de você, que foi diagnosticado como doente, estar realmente doente, é a de que você seja uma destas 97 pessoas num universo de 2095 pessoas! 97 / 2095 = 5%, aproximadamente!

Esta é ainda uma probabilidade bem baixa, afinal, a doença é rara. Mas ainda assim é cerca de 50 vezes maior que a probabilidade original!

Porém, aqui não levamos em conta outros fatores, como, por exemplo, qual é a probabilidade de uma pessoa estar doente se apresentar um quadro sintomático semelhante ao da doença etc. Além disso, você poderia optar por fazer um segundo teste, diferente ou o mesmo.

Deixo como exercício, para os curiosos, calcular qual será essa probabilidade. Garanto que será bem maior!


Este texto, como os das demais colunas opinativas do portal, é de responsabilidade do autor e não reflete necessariamente o ponto de vista dos demais colunistas ou do papodeprimata.com.br.


Marcelo dos Santos

Mestre em Física formado pela UFRJ. Trabalha com cosmologia observacional. Além do PAPO DE PRIMATA, escreve também para o 'Universo Racionalista' e para o 'Portal Mundo Nerd'.

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1 resposta

  1. Fernanda Vasconcelos disse:

    Nossa, como calculamos errado as probabilidades de estarmos doente.
    Eu acho que ia calcular 98% mesmo. rs

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