Macacos Que Somos

Já que somos macacos… (iniciando os trabalhos)


Os caros leitores hão de me perdoar, mas sou péssimo em planejar estreias. Sei que poderia falar de quem sou ou de como cheguei até aqui; mas também sei que não deveria me demorar nisso. Poderia agradecer ao convite do Papo de Primata para ocupar tão honradamente este espaço, ressaltar a relevância e a qualidade que o site e suas outras plataformas vêm tendo no cenário da popularização do conhecimento científico e no fomento do pensamento crítico internet afora. Sei ainda que poderia e seria de bom tom dar alguma ideia de como pretendo conduzir a coluna daqui por diante… mas, a sério, quero mesmo é falar de como somos macacos!

Não pretendo com o nome dessa coluna reavivar velhas polêmicas: somos primatas, símios, macacos – essa é uma premissa que precisamos assumir daqui por diante para que venhamos aproveitar a experiência da coluna de forma mais desimpedida e proveitosa possíveis. É simples assim: existe uma série tremenda de evidências registradas e devidamente estudadas no mundo todo que corroboram com larga vantagem a qualquer alternativa a ideia de nossa natureza animal – particularmente primata. Cientistas extraem isso não apenas de fósseis há muito tempo mortos e enterrados (o que já não seria desprezível!), mas também de evidências do dia a dia, desde anatomia, fisiologia e disfunções de nossos corpos até os traços mais fundamentais de nosso comportamento. Isso, aliás, é tão bem estabelecido e há tanto tempo que é possível adaptar a linguagem científica mais árdua para que nós, leigos (sim, sou um leigo!) entendamos o que se passa – e amigos vlogueiros como David Ayrolla e o Pirula conseguem mostrar isso magistralmente!

Portanto, a assunção de nossa natureza não é um dogma, como muita gente tenta fazer passar; e eu, que não sou tão competente como os que citei acima, não vou aqui, pelo menos por ora, tentar convencer-vos, leitores, de nossa macaquice. Suspeito até que você, tendo uma vez chegado até o Papo, não discorde ou se sinta particularmente ofendido com a ideia evolucionista de nossa origem. Se, no entanto, esse for o caso, antes de tudo @ parabenizo com toda a sinceridade e sem ironias pela disposição de chegar até aqui e sustentar o esforço de ler essas linhas a despeito da discordância. Mas, em segundo lugar, não vou me desculpar; em verdade, convido-@ para fazer o que fez até aqui e continue nos acompanhando nessa trilha, dado que essa postura gratuita de acolhimento do diferente é a base para nos entendermos e, com isso, conquistarmos melhor condição para todos os lados. E a quem por ventura me acompanha na premissa evolucionista, peço que faça o mesmo em se permitir, ao menos provisoriamente, entender o lado dos que se opõe a ela.

Afinal de contas, é exatamente essa a primeiríssima mensagem que gostaria de ressaltar aqui na coluna: flexibilidade, empatia e gratuidade mútuas são as formas mais bem sucedidas de encontrarmos nossa humanidade no outro e em si; e são, reunidas, quase tudo de que o mundo precisa para se tornar um lugar melhor. Quando nos abrimos para o outro, para a experiência de olhar o mundo através de um olhar que não o nosso próprio, estabelecemos as bases para a construção de uma relação de intercomunicação e confiabilidade mútuas. Conclamo-os para essa via de diálogo: a flexibilidade permite o acolhimento ainda que provisório do outro, o que possibilita o avanço partilhado ao entendimento mútuo e suas benesses; com isso surge uma honesta predisposição a novos entendimentos, até que o processo se repete para novas situações, estabelecendo um ciclo virtuoso generalizado de confiança e respeito.

Nessa esteira, enganos, mal entendidos, preconceitos e erros de fato têm suas consequências danosas drasticamente reduzidas, sendo também mais ligeiramente detectados, corrigidos e compensados quando possível. Finalmente, pode-se com a recorrência criar-se em pouco tempo um ambiente social e/ou relacional completamente novo e positivo. E isso pode se dar em todos os possíveis níveis da realidade humana, mesmo com início mais prosaico, e especialmente à medida em que o método perdura, indo do repasse de bilhetinhos apaixonados numa turma de escola fundamental até a diplomacia internacional e a relação (ou falta de relação) com o divino. Tudo isso tem (uma vez mais) a ver com evolução e natureza humana, encontrando raízes e uma miríade de consequências complexas cujas raias dão os contornos dessa surpreendente intimidade ulterior de nossa espécie.

Assim, por se tratar de algo tão significativo e presente em nossas vidas, até cotidianamente, a prioridade é usar uma maneira pessoal e familiar de falar com o público. Antecipo, aliás, seja ao evolucionista mais entusiasmado ou ao seu opositor correspondente, que não pretendo sempre relacionar as ideias a um esforço de explicação em termos evolucionistas imediatos; pois não só tal leitura pode ser precipitada e limitadora, como não há porque se preocupar com a exatidão absoluta dessas interpretações da natureza humana, uma vez que ela ainda é um dado em descobrimento progressivo. A Teoria da Evolução não é uma imposição, mas um norte; e creio que uma das grandes graças de qualquer evolucionista, profissional ou entusiasta, descobrir os laços que nos ligam a nossos ancestrais. Quanto mais insuspeitos, sucintos e reveladores, tanto melhor… e é surpreendente como (e espero evidenciar depois, em novos textos) mal conhecemos o poder e a preponderância dessas (empatia, gratuidade, confiança) e de outras bases de nossa natureza profunda talvez inescapável.

Por isso mesmo, caros leitores, essa primeira mensagem serve não só aos que discordam do evolucionismo, mas a todos vocês – pois tendemos a qualquer dia desses, mais cedo ou mais tarde, a discordarmos em alguma coisa. Repito: se chegou a ler tudo até aqui, é porque, acredito, tem as condições mínimas de se fazer e de se deixar entender – e é nesse tipo de pessoa (que você provavelmente é) em quem confio para progredirmos. Se “Macacos que somos” será uma coluna que parte da premissa evolucionista em busca dos traços de nossa natureza profunda (e o que, a seu tempo, será um prazer rediscutir!), pretendo ainda levar, em pé de igualdade, as prerrogativas que podem nos ajudar a construir um ambiente de comunicação real que seja também acolhedor ao diverso, criticamente interessante e filosoficamente valioso. É pura pretensão, admito; mas é das mais desejáveis!

Conto com vocês, amigos. Sejam bem-vindos – e até a vista!


Este texto, como os das demais colunas opinativas do portal, é de responsabilidade do autor e não reflete necessariamente o ponto de vista dos demais colunistas ou do papodeprimata.com.br.


Sávio Mota

Cearense de cabeça pontuda, dizem que é jornalista e rebento da tal geração Y. Cético desde sempre e corinthiano desde que é gente, gosta de ciências e futebol, cinema e documentários de tevê - além de ser apaixonado por História e por Evolução. É CODA. Tem um pequeno canal no Youtube, "O Mundo Paralelo de Neander". Wanna be a scientist. Normal não é.

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2 respostas

  1. Muito bom o texto, Sávio. Foi muito sábio com as palavras (tu-rum-tum-tissss), hehehe… Pode apostar que estarei sempre aqui acompanhando este papo de primatas (já que todos somos)! E como já escrevi em outro comentário, no que eu puder contribuir com alguma coisa, estou disposto.
    Termino o comentário lembrando de um pensamento perturbador que o grande físico teórico Neil deGrasse Tyson fez uma vez numa palestra: “A diferença entre o nosso DNA e dos chimpanzés, é de apenas 1%. E com esta diferença genética, veja ao nosso redor o que conseguimos realizar. Conseguimos lançar um telescópio em órbita da Terra! Agora, se com apenas 1% de diferença a gente fez isso, imagina outra civilização que possa ter também apenas 1% de diferença do nosso DNA. Fazendo esta comparação, não somos praticamente nada. O que a gente acha que somos especiais, na verdade pareceríamos primatas babões perto deles e, talvez quem sabe, a física quântica já estaria bem entendida e enraizada entre eles desde pequenos.” >> Segue vídeo deste trecho: http://youtu.be/zbsTxSMoDms?t=7m36s

  2. Savio Mota disse:

    Muito obrigado por seu comentário, Andre Luiz! Não sou particularmente supersticioso, mas quisera todo comentário fosse assim, tão qualificado e receptivo quanto o seu.

    Essa proximidade intrínseca dos humanos em relação a todos os animais, e particularmente aos demais primatas, é uma das coisas mais fascinantes que podem me ocorrer desde criança. Ter a oportunidade de participar de um portal como esse (cuja iniciativa admiro desde quando o papo era só um canal) e contribuir para as reflexões acerca da natureza humana é uma honra e um prazer. Fico feliz de que a toda essa conjunção se some o fato de que você tenha sido o primeiro a contribuir para esse espaço como o fez!

    deGrasse Tyson nunca decepciona; é ótimo esse vídeo! Obrigado por essa nova referência. =]

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