Pensei em escrever um texto dissertativo sobre esse tema que há décadas suscita polêmicas entre céticos, católicos e religiosos não-católicos: o Sudário de Turim. Mas tem feito tanto calor aqui no Rio de Janeiro que não me animo a grandes esforços, sejam físicos sejam literários. Achei por bem, então, aproveitar um dos capítulos de um romance que estou escrevendo, no qual uns personagens discutem a questão.
Então, o que sucede nos capítulos anteriores ao que vocês vão ler: chega a Ouro Preto um argentino chamado Pablo, pintor de profissão. Certo dia, um deputado estadual que aspira a uma cadeira na Academia Mineira de Letras, encomenda-lhe um quadro no qual se vê Maria Santíssima exibindo nos braços a bandeira de Minas, de pé entre as estátuas dos profetas Isaías e Jeremias – a tela passa a se chamar “Nossa Senhora de Minas” e é usada para subornar um dos membros da Academia Mineira, uma freira que goza de grande influência entre seus confrades. Assim, o deputado elege-se imortal, Pablo ganha fama e passa a receber encomendas da elite mineira.
O sucesso de “Nossa Senhora de Minas”, tela muito celebrada depois que a freira sonetista permitiu que jornalistas entrassem no convento onde morava para que a fotografassem, rendeu a Pablo uma homenagem oficial da Assembleia Legislativa de Minas Gerais e várias encomendas de quadros. Algumas vezes eram paisagens de Minas, outras vezes eram retratos – alguns ao ar livre, como o de uma vereadora de Barbacena que se quis retratada diante do Santuário de Nossa Senhora da Piedade –, outras vezes cenas históricas – Sebastião Vieira posou para ele como se fosse o poeta Tomás Antônio Gonzaga no terraço do casarão onde o próprio morou, hoje Secretaria Municipal de Cultura de Ouro Preto –, outras vezes cenas religiosas. Quando tinha uma santa envolvida, Angelina era sua modelo certa. Assim, a moça emprestou sua aparência a Santa Clara de Assis (3 vezes), Santa Teresa d’Ávila (2 vezes), Santa Teresinha (4 vezes) e duas ou três menos votadas. Mas o artista teve um baita problema quando chamou o mal falado Rodriguinho para ser outra vez o seu modelo.
O caso foi que um abastado senhor, pai de um seminarista, tinha visitado Turim com o filho, onde tinham rezado diante do Sudário. O rapaz, voltando a Ouro Preto, conseguiu publicar num jornal prestigiado na região um artigo sobre o Sudário, contando sua história e os argumentos levantados a favor da autenticidade da famosa relíquia. O artigo, que logo chegou às mãos do bispo de Mariana, assinante do jornal, foi mencionado pelo próprio na missa, e muitos fiéis se puseram a fazer cópias do texto por meio de fotocopiadoras, mimeógrafos ou mesmo manuscritas. O seminarista virou em poucos dias uma celebridade na região e sua ordenação, programada para o ano seguinte, passou a ser intensamente aguardada. Quis então a devota família, como sinal de agradecimento ao bispo, que proporcionou tanto reconhecimento à devoção do rapaz, presenteá-lo com uma representação do Cristo sendo envolvido no Sudário.
Metade do preço pago como adiantamento ao pintor, o seminarista sentou-se na pequena sala de visitas transformada em ateliê e, com uma xícara de café nas mãos – aquele café que Dona Maria entregava diariamente ao artista acompanhando duas empadas – exibia sua erudição:
– Uns ateus dizem que o Santo Sudário é uma fraude produzida na Idade Média, que o exame feito por Carbono 14 atribui ao Sudário uma idade muito recente, mas eles se esquecem – ou fingem esquecer – que essa santa relíquia escapou de dois incêndios. As altas temperaturas do incêndio podem interferir na datação feita pelo teste de Carbono 14.
– Serei sincero: esse argumento não faz sentido para mim nem para a maioria das pessoas, que não entendemos como é feito o exame da idade dos objetos pelo Carbono 14.
– Gostei de sua sinceridade, Seu Pablo. Então falarei de algo que o senhor entende…
– Senhor não. Me chame de “você”. Sou apenas dois anos mais velho. Não tenho idade para ser seu pai.
– De anatomia você entende, não é? É pintor. Lida com isso ao representar a figura humana. Pois bem, quando você entra numa igreja católica, o que você vê no altar? Nosso Senhor pregado na cruz. Os pregos cravados nas palmas das mãos. Mas estudos científicos mostram que os romanos não pregariam ninguém pelas mãos, porque o peso do corpo faria a carne das mãos se rasgar e os corpos caírem da cruz. A maneira eficiente de pregar alguém na cruz é pelos pulsos. É isso mesmo que o Sudário nos mostra, contrariando quase todas as representações artísticas da crucificação – algum artista pode ter representado da maneira certa, mas agora não lembro de nenhum. Não acha que, se fosse uma fraude, o fraudador seguiria o engano dos artistas de sua época, que representavam a crucificação de uma maneira não científica?
– Está aí um bom argumento.
O seminarista sorriu satisfeito, vendo que era bem entendido.
– E o negativo da fotografia feita por Secondo Pia mostra um homem nu enrolado naquele pano, ao invés de um homem com uma roupa íntima como vemos nas igrejas – não seria de bom tom exibir as partes íntimas de Nosso Senhor nos altares, não é?
– Michelangelo fez um crucifixo representando o Cristo nu. Você viu isso quando esteve na Itália?
O seminarista estava empolgado demais para responder a perguntas que não fossem sobre o Sudário.
– E tem mais: o tecido está impregnado de pólen de plantas típicas do Oriente Médio, como aloé e mirra, plantas usadas na preparação dos cadáveres para o sepultamento, como era o costume naquela época e naquele lugar. Também há vestígios de carbonato de cálcio, do mesmo tipo que se encontra nas grutas próximas a Jerusalém. Não há sombra de dúvida de que aquele tecido veio de lá.
– Você poderia me emprestar alguns livros sobre o Sudário? Quando vier pegar o quadro, eu devolvo. Só para ver quantos artistas já se dedicaram antes ao tema e como o fizeram.
No dia seguinte, de manhã cedo, lá estava o seminarista, com quem Pablo teve de novo que dividir sua ração de empadas e café. Após uma hora de preleção sobre o Sudário de Turim, “que combina perfeitamente com o Sudário de Oviedo, relíquia guardada na Espanha – o Sudário de Oviedo é um pano que cobriu o rosto de Cristo –; as manchas de sangue nos dois tecidos ajustam-se perfeitamente! Não pode haver dúvida de que os dois panos estiveram juntos envolvendo a cabeça do Salvador!”, o jovem erudito deixou quatro livros sobre a mesa do artista, que prometeu que terminaria o trabalho no prazo exato de um mês. – Havia muito trabalho acumulado e ainda seria necessário ler os quatro livros, mas que ele voltasse dali a um mês exatamente: a tela estaria pronta!
De tudo quanto leu e viu nos livros, o que mais o impressionou foi uma tela pintada por Giulio Clovio (1498 – 1578): uma pintura em que mulheres envolvem o corpo de Cristo no Sudário e acima os anjos estendem a relíquia exibindo a figura de um corpo tal qual o negativo feito por Secondo Pia em 28 de maio de 1898. Mas como um artista da época do Renascimento pôde ver o que a ciência da fotografia só mostraria 320 anos depois de sua morte?
Não sendo um cientista, Pablo não conseguiu encontrar uma explicação para essa pergunta. O que fez foi chamar Angelina, sua modelo preferida, e duas outras moças para representarem as três mulheres que, no domingo, foram ao túmulo terminar o que o preceito sabático não lhes permitira concluir – a unção do corpo de Cristo. Na sua tela, seriam essas três mulheres que envolveriam o corpo no Sudário. E, no papel de Cristo, Rodriguinho, loiro como gostam os fãs da arte sacra.
Pablo explicou o projeto da tela e combinou o preço a pagar. As garotas vestiram-se como as santas e Rodriguinho despiu-se para deitar-se sobre o lençol, cuja metade elas ergueriam sobre ele. As normalistas, curiosas, bem queriam ver os genitais do moço, mas não confessavam o desejo – fingiam não olhar quando ele tirou a cueca. Quem não podia fingir e nem reprimiu seu desapontamento foi Pablo: o membro de seu modelo era bem maior do que ele imaginava! Paciência! Já combinara o dinheiro e estava sem jeito de dizer que gostaria de procurar um homem loiro com um pênis menor.
– Rodrigo, deite-se agora e cubra seus genitais com as mãos.
Rodriguinho obedeceu.
– Rodrigo, você ainda não entendeu que você representa o Cristo morto? Como um morto pode forçar os ombros desse jeito? Seus ombros têm que estar totalmente relaxados e pousados sobre o chão.
Rodrigo relaxou os ombros e seus genitais apareceram em toda sua plenitude. As mãos só encobriram o púbis.
– Está de brincadeira, Rodrigo?
– Pablo, ou eu relaxo os ombros ou escondo meu sexo com as mãos. Não dá para fazer as duas coisas ao mesmo tempo.
– Claro! Com esse pau enorme!
– Não adianta procurar alguém com um pau menor! Com os ombros relaxados, as mãos só cobrem os pentelhos! Para cobrir o sexo, a gente tem que encolher os ombros!
Pablo não quis contrariar a anatomia. Se havia um problema nesse aspecto, a culpa não era dele e sim de Deus, que, ao criar o homem no Éden, não previu que, um dia, em Ouro Preto, o pintor Pablo Tirésias passaria por esse incômodo.
Na hora de entregar o quadro, o seminarista não quis pagar o resto que estava combinado.
– Para início de conversa, Jesus era judeu. O que esse prepúcio está fazendo aqui? – gritou, indignado, com o dedo no herético detalhe. (Realmente, aborrecido pelos deslizes anatômicos de Deus, Pablo esquecera-se do ritual da circuncisão…) – Aliás, eu nem deveria estar vendo essa genitália, pois as mãos do Salvador escondem Seus castos órgãos reprodutores no Santo Sudário!
– Só há duas explicações para esse fato, meu caro: ou Jesus Cristo tinha braços extensos demais, o que seria uma deformação, ou o Santo Sudário é uma fraude. Se duvida, tire a roupa, deite-se no chão e tente esconder o próprio sexo com os ombros relaxados.
O seminarista saiu batendo a porta e não pagou o combinado. Pablo consolou-se pensando que, quando estivesse no Canadá, talvez algum separatista do Quebec, ateu, lhe fizesse uma boa oferta por aquela tela que derrubava uma lenda.
Que venha ser verdadeiro, qual a relevância teria para a sociedade de hoje? Temos que parar de criar mitos e viver dominados por dogmas. A livre expressão do pensamento, generosidade, solidariedade, altruísmo, etc… isso sim, é relevante em qualquer sociedade. O que edifica são as obras e não a fé. A fé sem obras é morta. Não acredito e não poderia acreditar, por questão de lógica, que um “DEUS”, que deu um cérebro ao ser humano o impedisse de pensar e evoluir. Que não lhe permitisse fazer perguntas(dogmas). Que lhe apresentasse verdades absoluta. Não, este “DEUS” eu desconheço!!!
Ja foi provado falso, national geographic!!!!
SUDÁRIO? Farsa , grossa farsa da alta idade média.