Valor da Terra

Como vai a Educação? Enem e Pisa nos dão algumas pistas…


Nota explicativa: Eu sei, autarquias primatas, esse meu espaçosinho aqui é para tratar de Meio Ambiente. Mas quem já leu algum dos textos desta coluna, reparou que minha veia ambientalista não se restringe a bater palmas pro sol, comer tofu e vender  minha arte na praia. Tem ciência envolvida no processo de Educação Ambiental que tento transmitir para vocês. Logo, educação é essencial não apenas para que as pessoas compreendam conceitos científicos e termos técnicos, mas sim para que o debate crítico sobre o repensar das diretrizes do nosso desenvolvimento ganhe a relevância que a temática ambiental necessita urgentemente. Abraço a todos e boa leitura!

Um pouco antes do fracassado bug do milênio, (o primeiro fim do mundo que sobrevivi) iniciava-se minha epopeia na literatura clássica. Por volta dos 13 anos de idade já havia lido Machado de Assis, Luiz de Camões, Aluísio Azevedo, Eça de Queiros e Fernando Pessoa. Nesse momento você deve estar tentando imaginar os incontáveis bullyings que sofri, por ter um gosto tão eruditamente peculiar ainda sem nenhum sinal do primeiro fio de barba. Sinto decepcioná-los, mas eu não era tão nerd assim. É óbvio que eu preferiria assistir Cavaleiros do Zodíaco ou jogar Sonic Wings, como todo os outros moleques, do que ter de ler as memórias de um defunto que não caçava cérebros. Claro que a leitura dessas obras foram impostas pela escola, que em seu tradicionalismo imutável (ou preguiçoso) provavelmente fez-me compartilhar os mesmos livros que fora rabiscados pelo pequeno e serelepe Niemeyer.

Para minha sorte, estava acostumado a devorar pilhas de almanaques de histórias em quadrinhos e manuais bíblicos de Dungeons & Dragons antes do café da manhã (sim, eu era muito respeitado pelos meus três amigos por isso). Graças a esses pontos de experiência, o sono só me alcançava após umas cinquenta páginas. Consegui até pescar algo da sagacidade do Machado, embora ainda não aplicada. Lembrando que me refiro a uma época onde não dava para bancar o espertão, baixando um resumo qualquer no “Trabalhos Feitos”, e nenhuma mãe era denunciada no conselho tutelar por tatuar o vermelho da nota no espinhaço do anjinho. Não tinha jeito! Era ler, fazer uma resenha e responder prova oral. Está claro para todo mundo que, não temos uma sociedade de leitores compulsivos, como resultante dessa metodologia inquisitória. Muito pelo contrário, uma parcela significativa dos brasileiros sentiria-se profundamente ofendida ao ganhar um livro de presente no amigo oculto (Crepúsculo não conta).

Ao que tudo indica, desde os meus tempos de fichas perdidas no KOF (saudades, fliperama…) as coisas não melhoram tanto. A pedagogia ainda retira teias de aranha de seus papiros sagrados, onde deve estar sacramentando que estimular o interesse do aluno é um pecado mortal contra a honra dos deuses da educação. Quando meus professores passavam fórmulas matemáticas para serem decoradas como se fossem receitas de bolo da Dona Benta, minha distração favorita era criar personagens e campanhas medievais no meu “fantástico mundo de Bob” para não ter que pular da janela. Hoje, o júnior tem Whatsapp, Vines, Tinder e mais trocentos joguinhos a disposição. É preciso muito mais do que um projetor e slides coloridos para disputar a atenção do aluno com o smartphone, pois não importa que seja no quadro negro ou projetado na parede, fazer copia da tabela periódica sempre será chato!

Não faltou quem xingasse muito no Twitter e fizesse sua análise crítica com os aspectos políticos, filosóficos e sociais, tudo kibado de um algum humorista formador de opinião, para cravar a explicação definitiva, do porquê 500 mil redações terem sido zeradas. Bom, eu prestei o Enem duas vezes. No primeiro ano tirei 400 na redação… Pois é, se tivesse proposto que haitianos deveriam comer miojo e torcer pro Palmeiras, teria me saído bem melhor. Mas no ano seguinte, driblei a Lei Seca e faturei 950 para orgulho da família! #InYourFaceSocity! E não, de um ano para o outro não fiquei treinando redação para limpar minha honra de mestre RPGista. Sinceramente, não sei qual foi o parâmetro para a disparidade das minhas notas. E se eu não consigo explicar o meu próprio desempenho, como posso, baseado no resultado alheio, apontar o culpado e indicar uma solução mágica para os problemas da humanidade?educa

Será que o tema foi muito difícil? Os critérios de correção ficaram mais rígidos? Eram os candidatos fãs do Bolsomito e desrespeitaram os Direitos Humanos? Outra coisa, das 500 mil redações zeradas, 280 mil foram entregues em branco. Desistência? O tempo foi curto? Tomaram o “higiênico” suco de laranja, que parece limão e tem gosto de tamarindo na entrada? É difícil ser taxativo com tantas variáveis. Mas as pessoas parecem que saem pré-programadas de fabrica a ler uma manchete e produzir uma opinião instantânea, de acordo com suas expectativas prévias, ou simplesmente reproduzindo os achismos de algum fulaninho do Youtube.

Tem algo muito errado na Educação brasileira, e isso não se reflete apenas nas notas do Enem. É gritante em todas as esferas, do desempenho no Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) aos fóruns acadêmicos, onde todo e qualquer assunto atualmente se resume a uma patológica birra partidarista. Não há diferença entre a caixa que não consegue calcular o troco de cabeça, e os “JÊNIOS” que redescobrem a roda, comentando com “propriedade e domínio”, uma variedade de assuntos maior do que a desciclopédia gospel, que pretende processar a Forbes e lançar um raio pseudizador na genética. Não é só o sem noção que escuta funk no ônibus que estraga nossa estatística educacional, o sujeito que presta culto ao Livre Mercado e critica políticas sociais (sem nunca ter trabalhado na vida), saboreando seu leitinho com pêra do alto do apartamento, também não ajuda em nada (literalmente).

O argumento de que o Governo brasileiro não investe em educação é uma unanimidade, presente em praticamente todos os incontáveis textos que pipocaram na internet fazendo alusão as notas do Enem. Bom, é fato que historicamente o MEC não é a pasta mais privilegiada da Esplanada, mas na última década o orçamento da educação cresceu mais de 200%, passando de R$ 19 Bilhões em 2003 para R$ 112 Bilhões em 2014. Para esse ano foi anunciado um corte de R$ 7 Bilhões, o que causou uma justa indignação nacional. Só que em 2013, SOBROU R$ 25 Bilhões! Claro, ninguém merece os parabéns por essa economia, mas também não me recordo de protestos ou de gente marcando evento para ensinar o MEC a gastar direito. Infelizmente esses números não dizem nada em vista a triste realidade da maioria das escolas de ensino fundamental e médio, onde falta de professor a papel higiênico. Estados e municípios não tem tanta grana quanto a União! Aliás, a infraestrutura nas universidades federais também não está assim nenhuma Brastemp…

O orçamento da educação aumentou a ponto de sobrar dinheiro, mas as instalações são as mesmas de um apocalipse zumbi, e a única alegria que nossa posição no ranking nos proporciona é o de estarmos exatamente acima da Argentina (abraço Maradona!). A conclusão é simples: estamos gastando muito mal, e nem colocando a corrupção no meio a conta bate. Nas palavras de Andreas Schleicher, diretor de Educação da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o Brasil poderia subir da 58ª para a 43ª posição no ranking do PISA com o mesmo investimento atual, bastando uma maior equidade na distribuição dos recursos (comunistas in everywhere) e valorização do professor. Andreas também parabeniza o país, por ter obtido o maior crescimento entre os 65 países participantes do exame, passamos de uma pontuação de 356 em 2003 em matemática, para 391 em 2012. O Brasil também avançou na inclusão e na redução da defasagem idade-série.

Recolha o sorriso e os confetes, mesmo com o aporte de recursos atual, nosso gasto por aluno no ensino de base é, metade do mínimo recomendado pela OCDE. Tivemos sim, avanços até relevantes na Educação, mas vale registrar aqui que é vergonhoso o malabarismo propagandístico feito pelo Governo Federal, por exemplo na divulgação dos números do Ideb (Índice de desenvolvimento da educação básica). Enquanto isso em Xangai, numa entrevista com um funcionário do Governo local, o repórter pergunta se eles estão contentes por terem surpreendido o mundo com o primeiro lugar no PISA, a resposta: “Sim, ficamos contentes de termos participado do Pisa porque nos permitiu notar que em leitura descontínua não estamos muito bem, apenas em terceiro lugar, e vamos dar mais foco a essa área daqui pra frente.” Se você acha que na nossa terrinha ninguém tem essa postura, é porque não acompanha coletivas com técnico de futebol. Com um terceiro lugar em qualquer métrica educacional, só não teríamos carnaval o ano inteiro, porque as pessoas estariam preocupas em produzir algo um pouco mais útil com o seu tempo. Agora, quando o time do coração fica em segundo lugar, acabou a paz. A não ser, lógico, que seja o Vasco, aí é normal.

Eu tendo a concordar com o Senador Cristovam Buarque na afirmação de que destinar 10% do PIB para o atual sistema educacional é jogar dinheiro fora. Os dados do Pisa nos dão a dimensão do tamanho do buraco em que estamos, e mostram claramente que dinheiro não é exatamente o problema. Em 2012, os 25% dos alunos brasileiros com maior nível socioeconômico atingiram uma média de 437 pontos. Em contrapartida, os 25% mais pobres dos 65 países avaliados bateram 452 pontos (Confira aqui o infográfico).Talvez entre os 25% mais ricos, ainda tenha muita gente fazendo quadradinho de 8, então para representar melhor a nossa elite, vamos pegar somente os 5% mais afortunados. Excluindo todos os pobres, tipo os filhos do Eike Batista e deixando somente o elenco da próxima novela do Manuel Carlos, o Brasil decola e ganha uma posição! Em outras palavras, a nossa elite com pais altamente escolarizados, precisaria estudar mais cinco anos para ganhar de um aluno de Xangai no sodoku.

Verdade seja dita, caso os eleitores do Aécio mandassem os filhos pra Cuba no lugar dos petistas, a gurizada receberia uma educação melhor do que nas escolas “gourmetizadas” de Higienópolis. Em um relatório publicado no ano passado, o Banco Mundial concluiu que, o país dos charutos é o único da América Latina e Caribe, que dispõe de um sistema educacional de alta qualidade  (quem diria hein, Banco Mundial disseminando o comunismo…). Mas são os guerrilheiros do outro lado do globo que comandam. Os chineses dominam o ranking da educação com folga, junto com suas províncias o grande império emplaca quatro das seis primeiras colocações. E olha que eles só começaram a gastar por aluno mais do que um europeu tem de moedinhas perdidas no sofá, há pouco tempo. O segredo, além do pastel de “flango”, pode ser atribuído a famosa disciplina oriental, não é à toa que só países asiáticos estejam ocupando as sete primeiras posições. O sistema é bruto, chinesinho olhou torto, tem expediente dobrado na fábrica da Apple e se reclamar vai montar windows phone.

210950_steeQuem acha que deveríamos copiar os asiáticos, primeiro deveria saber que apesar dos resultados expressivos, o modelo oriental, em especial o chinês, vem sofrendo duras críticas. Sun Shijin, professor de psicologia da Universidade Fudan de Xangai diz que, “o ensino na Ásia em geral promove mais o cálculo e armazenamento de conteúdo em vez de desenvolver habilidades analíticas, imaginação e iniciativa pessoal. (…) é necessário um equilíbrio entre o estudo e o tempo livre para o desenvolvimento pessoal.” Sun cita como exemplo a ser seguido o modelo finlandês que, “consegue bons resultados no Pisa, mas não há uma competitividade tão forte entre seus alunos e não tem tanta carga de estudos. Eles respeitam o estudante, e é algo que a China ainda precisa aprender”.

Acredito que não devemos simplesmente lançar um sharingan em modelos de educação que funcionam mundo afora. A criança chinesa estuda 14 horas por dia, inclusive no fim de semana, sem dar uma conferida no facebook (que é proibido na China). Nem o mais paranoico dos concurseiros seria tão antissocial! Já o pequeno finlandês brinca de arremesso de celular  e compõe heavy metal durante a aula é um modelo liberal demais até para as turmas de antropologia da UNB. Antes de olhar para fora, temos que premiar e replicar as bons resultados internos, valorizar e respeitar o professor é o ponto em comum entre todos os países que obtiveram sucesso na Educação. O profissional que lida diretamente com o ensino, conhece mais do que qualquer um, as necessidades, os pontos fortes e as características que precisam ser trabalhadas para que uma metodologia funcione de acordo com nosso aspectos culturais. Isso não parece óbvio pessoal do MEC, vamos consultar mais os professores, que tal?

Na década de 70, o economista Edmar Bacha apelidou o Brasil de Belíndia, ou seja, um país com a carga tributária Belga e contrapartida social indiana. Soou ofensivo para os brasileiros na época, mas hoje a Índia envia sondas para Marte (foi o primeiro país que acertou o caminho de primeira) e nós não conseguimos nem fazer um streaming decente do lançamento de um satélite “rachado” com os chineses.  Não é querendo vestir a carapuça do complexo de vira-lata, mas seguindo o sistema indiano, poderíamos lançar DEZ sondas similares, ou quem sabe um telescópio espacial de ponta, pelo custo da reforma de um único estádio da Copa. Tudo é uma questão de prioridade, descobrir que cérebros valem mais do que soja, fez a Índia deixar de ser um grande matagal para vaquinhas sagradas e ganhar 7 Prêmios Nobel, despontando como referência em Ciência e Tecnologia! Falando nisso, a Índia é um dos países que mais contribuem na luta contra as mudanças climáticas, investindo em energia eólica e no uso de pequenos sistemas solares. Tá certo que o Brasil tem boas iniciativas nessa área, mas o nosso atual ministro de Ciência e Tecnologia e negacionista do Aquecimento Global, é piada internacional.

Para defesa do Aldinho, excluindo Dom Pedro II,  a aptidão dos nossos ilustres representantes para ciência, nunca foi uma coisa que se possa dizer “nossa, como são entendidos”! Por exemplo, foi cogitado o uso de máquinas de escrever, como tecnologia revolucionária para despistar a espionagem da NSA. O que nem chega a ser tão absurdo, levando em consideração que temos um datilógrafo entre os sete funcionários do quadro da Agência Espacial Brasileira. Mesmo quando surgem boas iniciativas, o próprio cidadão trata de deixar claro que desenvolvimento científico não rende muitos votos. Quando o Romário – ele mesmo, o baixinho do futevôlei – propôs uma Lei que desburocratiza a importação de material para pesquisa, muita gente chiou, alegando que o nobre deputado deveria se preocupar mais com SAÚDE! É, tá “serto”!… Afinal, desenvolver remédios e vacinas para que? Não há nada que um chazinho de boldo, em doses homeopáticas para potencializar o efeito, não resolva. E não resolvendo, é só chamar a benzedeira, o pastor, o Juscelino da Luz…

Esses dias fiz um exercício meio masoquista, postei em um grupo de facebook uma notícia contendo Ministro da Dilma, Enem, tecnologia e uma proposta plausível para sanar um problema. Polemizou! A Manchete: “CID GOMES DESEJA ADOTAR ENEM EM VERSÃO ON-LINE”. As primeiras reações, obviamente, foram dos comentadores de título:

“Que coisa imbecil! Todo mundo vai pesquisar no Google” (Uhum, acontece o mesmo na prova do Detran…);

“Daqui a pouco vão querer usar Perguntados no lugar do Enem” (Então tá, né…);

“Digitar não é igual escrever! Querem criar uma nação de analfabetos igual ao Lula” (Pensando aqui, quando o Enem se tornou uma prova discursiva? A redação continuará sendo feita no papel e os cálculos em um rascunho, de resto é só rabiscar uma bolinha no cartão de resposta. Faz tanta diferença substituir isso por um clique?).

“O que eu considero muito curioso é essa suposta necessidade de revolucionar o Enem sendo que os resultados atuais mostram que o ensino de base é que precisa urgentemente de uma reformulação” (É impossível para um Ministério fazer duas coisas ao mesmo tempo! Vamos priorizar salvar as crianças na Africa!) ;

“Mais uma mega estrutura em TI, gerenciada e financiada com o dinheiro dos impostos, e no final, ainda susceptível a todos os problemas de segurança corriqueiros.” (Posso estar enganado, mas acho a mega estrutura de TI mais controlável) ;

“Melhor voltar ao sistema antigo de vestibular” (Errr … Não!).

Se você é um usuário de internet, notou que eu só selecionei os comentários mais leves. O que já é suficiente para ilustrar alguns aspectos bem característicos da nossa sociedade. Primeiro, a falta do hábito de leitura gerou criaturas incapazes de concluir qualquer texto maior que um tuite ou uma letra de funk. Interpretar corretamente então é um milagre que dá direito a canonização automática do indivíduo. Para as pessoas que chegaram até aqui e ainda diferenciando o que é sarcasmo do que é literal, tenho que dar os meus mais sinceros parabéns! De verdade!

a-savassi-livros-novos-e-usadoO baixo interesse em leitura, é comumente atribuído ao preço dos livros. Aliás, é difícil apontar o que não é caro no Brasil. Na média um livro custa em torno de R$ 35,00. Não é  impossível comprar mais de um por ano e aumentar nossa estatística de leitura. Retomando o raciocínio do início do texto, eu acho que as escolas deveriam dar Harry Potter e similares para a gurizada ler, ao invés de ficar discutindo período barroco com quem acabou de terminar seu primeiro gibi da Mônica. Memórias póstumas de Brás Cubas e Vidas Secas, faz muita gente achar pelo resto da vida que ler é um castigo. Concordo que sejam obras primas, que é preciso enaltecer a cultura e os autores nacionais, mas se não fossem Ziraldo, Tolkien e outros, eu nunca iria entender isso! Tomando gosto pela leitura com um John Green da vida ou quem sabe um Eduardo Spohr, Machado de Assis logo fica interessante e compreensível. O problema é gravíssimo e suas consequências vão além de comentários indecifráveis no Youtube. Uma pesquisa feita em 2011 por uma das maiores agencias de contratos de estágio do país mostrou que nem mesmo os graduandos de jornalismo dominam a língua. Por meio de um ditado de 30 palavras, o índice de erro ficou em 1/3.

O fanatismo ideológico é repudiável, leva a irracionalidade e o direito legítimo de ostentar um suntuoso diploma de retardo com luzes em neon. Existem os que se explodem e matam por uma charge, e existem os paranoicos que não desassociam suas teorias conspiracionistas, na hora de analisar qualquer assunto. Não importa se é o Reinaldo Azevedo, emitiu uma opinião que exige sensatez e equilíbrio para ser processada, vai ser chamado de petralha e vice-e-versa. Debate agora é sinônimo de arena romana, o que é muito perigoso para uma nação com um curto histórico de processo democrático. Tanto a doutrinação religiosa quanto a precariedade de um ensino que não dá margem ao questionamento e uma visão ampla de mundo, reduzem a realidade ao universo maniqueísta de um desenho animado.

Deve ser perturbador para um aluno do ensino médio que sonha em ingressar em um curso superior muito disputado, ouvir que o sistema de ensino ao qual ele foi submetido a vida toda é fraco. Essa afirmação não faz sentido colocando na ponta do lápis o conteúdo colossal que o vestibulando tem que assimilar para garantir um bom resultado (até um aluno chinês ficaria intimidado ao tentar uma vaga de medicina na USP). Mas é exatamente essa extensa e desumana grade curricular que cria o paradoxo do nosso modelo: o aluno brasileiro é o que mais estuda e o que menos sabe!

A proposta do Enem online, visa dentre outros coisas, abrir um caminho para mudar esse quadro. O aluno agenda a sua prova, vai até uma universidade ou local credenciado e o sistema seleciona as questões de um banco de dados na hora, de acordo com o curso escolhido. As escolas particulares sempre serão melhores que a pública, quando a métrica é restrita a quantos alunos são aprovados nas federais. A gurizada perde anos sendo preparados para apenas uma prova, são milhões de simulados e pressão psicológica de todos os lados. Tudo isso para a escola expor números em um comercial de TV e justificar o aumento no valor da mensalidade.  Os autores dos comentários citados acima e, creio, a esmagadora maioria não chegou nem perto de conceber a proposta por esse viés.

A escola pode falar que dois mais dois são quatro e partir para a próxima conta, ou se preocupar em mostrar por que dois mais dois são quatro. Os resultados do Pisa foram claros para elucidar essa diferença, o aluno brasileiro consegue resolver as questões matemáticas básicas, mas não conseguem formular e comunicar explicações e argumentos com base nas interpretações feitas. Cerca de 80% dos alunos dizem que não ter sorte ou talento para matemática, e não há como não concordar com eles: fazer o aluno decorar a tabuada esperando que o guri compreenda o sentido do cálculo que está fazendo por osmose, só com muita sorte mesmo!

Nenhum governante possui padrinhos mágicos para resolver da noite para o dia todos os problemas da educação brasileira. A OCDE estimou que, caso seja mantido o ritmo de crescimento nos índices educacionais, iremos alcançar a pontuação média dos países desenvolvidos em 21 anos. Em menos tempo a Coréia do Sul mudou o cenário rural de filme B do Jet Lee, para se tornar a meca do high-tech com a internet mais rápida do mundo e zerando o Youtube.

Concluindo, o brasileiro não é pior e nem menos inteligente do que ninguém.  Não faltam bons exemplos que demonstram o quanto podemos ser bons tendo oportunidades. Uma nação não é a construção de x ou y, e os políticos exercem uma grande influência no sucesso ou não do país. Mas o esforço para o é coletivo e altamente depende da qualidade da educação que ofertamos as nossas crianças, seja na escola, em casa e no dia a dia. A curiosidade natural dos pequeninos, o deslumbramento das primeiras descobertas acerca do Universo e a imaginação incansavelmente inventiva, são as bases daquela empolgante sensação que alguns perdem ao longo dos anos, de que é possível construir um mundo melhor. Não podemos deixar de estimular a curiosidade da criançada e encorajar os seus sonhos. E nesse processo, sempre é bom, permitirmos a nós mesmos, uma necessária volta a infância!

Educação é a bala de prata. Educação é tudo. Não precisamos de pequenas mudanças, precisamos de mudanças gigantescas, mudanças monumentais. Escolas deveriam ser palácios. A competição pelos melhores professores deveria ser selvagem; eles deveriam ganhar salários de  6 dígitos. Escolas deveriam ser incrivelmente caras para o Governo e absolutamente gratuitas para os cidadãos, como a Defesa Nacional!
­­­— Rob Lowe, em “The West Wing”

 

Referências:

http://noticias.terra.com.br/educacao/xangai-qualidades-e-falhas-do-melhor-sistema-educacional-do-mundo,91c573c590ac2410VgnCLD2000000ec6eb0aRCRD.html

http://www.oecd.org/education/PISA-2012-results-brazil.pdf

http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/06/130625_educacao_brasil_ocde_mb_cc


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André Gomes

Fã de Homem-Aranha, Sagan, Hitchens e Yuyu-Hakusho, é considerado por ele mesmo o melhor guitarrista do seu quarto (há controvérsias). De tanto ser chamado de “fiscal da natureza”, decidiu cursar Gestão Ambiental na UNB, e agora, diferentemente dos seus heróis da infância, pretende cobrar para salvar o mundo. Sempre disposto a debater sobre política, futebol e religião (só para contrariar o ditado popular), aprendeu que Teoria é diferente de teoria, que não é nada menos do que poeira das estrelas e que a resposta é 42.

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3 respostas

  1. Eu acho que falta a associação daquilo que esta sendo estudado com a realidade é um dos grandes problemas, em física que é uma das matérias que põe mais medo nos alunos, por exemplo, grande parte das escolas carece no conhecimento qualitativo. Quando eu estudava os professores eram mais preocupados com os alunos lembrarem das fórmulas que a associação delas com o qualitativo.

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