Macacos Que Somos

Direitos de gente!


Direitos Humanos são Direitos de Gente: o policial, o camelô e todos nós, cidadãos em uma democracia, temos tudo a ver com isso!

18 de setembro de 2014 – aconteceu em São Paulo, bairro da Lapa: policial mata camelô com um tiro em plena rua. Um vídeo (vários vídeos, nesses tempos de imersão digital) mostra(m) o momento exato do acontecido. A autoria do homicídio é inequívoca. O policial se entregou logo após o ocorrido, tendo sido preso em flagrante. A cena não é tão “forte” quanto é triste. Mas claro, sem solenidades já suscitou inúmeros bolsões de polêmica em torno dos temas correlatos: O policial agiu corretamente ou não? Por quê o rapaz morto agiu tão temerariamente? “Ah, ele mereceu”! Camelô é trabalhador ou bandido? Etc, etc.

Estadão > São Paulo: De luto, camelôs não atuam na Lapa nesta sexta-feira
http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,de-luto-camelos-nao-atuam-na-lapa-nesta-sexta-feira,1562873

Eu sinceramente não sei qual é a paz que as pessoas sentem ao assumirem tão imediatamente o papel de defensores ou acusadores de qualquer um dos lados – homicida ou bandido. De certa forma as invejo, porque a convicção traz alguma vantagem pessoal, mas certamente não gostaria de estar em seus lugares, pois sinto que, em qualquer dos casos, estão todos errados quando assumem essas posturas ostensivamente – no mínimo, por precipitação. Um lado, contudo, eu tomo: o da civilidade. Isso necessariamente incl
ui assumir que se houve o simples ato de um cidadão tirar a vida de outro, em especial quando tão profundamente corroborado pela quantidade de imagens e testemunhas, é natural esperar um rito sumário de detenção e todos os processos legais subsequentes. Existe uma vítima, e a simples existência do calor sem vida clama imediatamente por um processo de investigação. Quanto mais se o suspeito for uma autoridade policial, dotado pelo Estado da prerrogativa da força! Isso deveria ser o natural desejável e o desejado tanto por civis quanto por policiais!10726502_968510393164119_374683665_n

Mas o que acontece!? Exatamente o contrário! A maioria dos que se engajam na discussão protestam e relutam em aceitar o que deveria ser desejado por todos nós: uma apreensão rápida e eficiente e a sensação de que o braço de justiça está sempre presente. Isso, contudo, só não é de estranhar porque sabemos quais são as condições desumanas às quais os detentos, sejam culpados ou não, costumam ser abandonados à própria sorte. O que soa como profunda hipocrisia: quem age assim só não se preocupa com isso até que alguém (que julgamos ou que seja de fato) inocente venha a ser encarcerado num antro como aqueles. (Pedrinhas, Bolsonaro?) Para todos os outros seres humanos, tidos invariavelmente como “bandidos”, o tratamento degradante generalizado parece fazer parte de uma noção ingênua, perversa e vingativa de “justiça” – sejam assassinos e estupradores ou ladrões de galinha e outros criminosos de pequeno porte (camelôs também?) – ou inocentes que desconheçamos e não sejam nada disso.

É por isso que existem instituições como os Direitos Humanos – que não estão aí para “passar a mão na cabeça de bandido”, mas que procuram garantir o mínimo de tratamento digno e justo para um indiciado na medida em que este é, sobretudo, uma pessoa; e, no Estado Democrático de Direito, um cidadão. Na conjunção entre Direitos Humanos e democracia, a correlação é simples e necessária: se todos somos inocentes até que se prove o contrário, todos merecemos tratamento de inocente até que se prove quem seria culpado de um crime! Só então um cidadão considerado culpado passaria a receber o tratamento punitivo correspondente à previsão da lei penal. Todas as outras formas de tentar escapar a esse entendimento acorrem para o âmbito da história e da vida social, permeadas de valores, interesses e conflitos ideológicos que quase sempre alimentam preconceitos, ignorância, desinformação, culturas de violência e a manutenção de desigualdades. Insistir nisso é preferir uma forma de justiça sem controle nem previsão (como nos terríveis “tribunais de rua”); é alimentar a precariedade do que existe (ou subsiste) como justiça institucional formal. Enfim, pensar nisso apenas quando um suposto inocente é prejudicado (suposto por nós, não pelas prerrogativas do direito democrático) é jogar uma perigosa roleta russa anticidadã e antidemocrática.

*****

Outro dia disseram isso (ladainha que sempre se repete) quando um policial morreu em confronto com bandidos: “cadê os direitos humanos!?”. Eu me pergunto: o que as secretarias, comissões e agentes dos D.H. têm a ver com uma pessoa que, infelizmente, já veio a morrer? “Eles não consolam a família!” – mas porque deveriam?! E conseguiriam? Bandido ou policial, inocente ou culpado, os Direitos Humanos têm de se concentrar em quem está vivo, de forma a contribuir para uma sociedade e uma justiça mais saudáveis! E saibamos que os agentes dos Direitos Humanos, tendo as condições (recursos, contingente suficiente, apoio dos três poderes e colaboração da população), estarão lá para defender qualquer ser humano ferido em um de seus direitos naturais enquanto pessoa. Resta saber o quanto, como sociedade, temos contribuído para isso – ou preferido apenas escutar e reproduzir irresponsvelmente a voz torpe dos apresentadores de “telessangue”…


Este texto, como os das demais colunas opinativas do portal, é de responsabilidade do autor e não reflete necessariamente o ponto de vista dos demais colunistas ou do papodeprimata.com.br.


Sávio Mota

Cearense de cabeça pontuda, dizem que é jornalista e rebento da tal geração Y. Cético desde sempre e corinthiano desde que é gente, gosta de ciências e futebol, cinema e documentários de tevê - além de ser apaixonado por História e por Evolução. É CODA. Tem um pequeno canal no Youtube, "O Mundo Paralelo de Neander". Wanna be a scientist. Normal não é.

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