O fenômeno “Islã” assombra o mundo atual, trazendo consigo uma sombria imagem de violência e ódio, misturados à política, ao idealismo e à religião – acrescidos de grandes desinformações e preconceitos “a priori”.
Como religião monoteísta, ele é, sem dúvida alguma, um fenômeno em ascensão. Enquanto outras confissões religiosas perdem simpatizantes, o Islã cresce em números, possuindo hoje o maior número de conversões, inclusive, para nosso espanto, em países como Finlândia, Grécia, França e Alemanha. Muito embora dados indiquem a existência de 2,2 bilhões de cristãos em contraste aos 1,6 bilhões de muçulmanos em todo o planeta, o cristianismo divide-se em diversas correntes de cristãos e suas ramificações ocidentais e orientais. Claro que deve ser levado em conta que são margens estatísticas; pode haver erros para mais ou para menos, depende muito das fontes.
Por que temos tanto medo e demonizamos tanto o Islã? E por que não estender a pergunta a todo o Oriente, já que o contraste cultural é um grande motivador desse repúdio coletivo? É somente pela violência? É somente pela intolerância religiosa? Não, meus caros, é por que somos ocidentais!
O professor, sociólogo e colunista da Revista Sociologia, da Editora Escala, Lejeune Mirhan, ao estudar diversas religiões, nos dá outro ponto de vista: “De todas as religiões que estudei e pesquisei (aqui implica frequentar cultos e ritos e ler livros e dogmas), nunca tive dúvidas: o Islã é a religião mais tolerante de todas elas.”
Edward Said, um dos mais importantes intelectuais palestinos, nos mostra tanto em “Orientalismo”, como no livro “Cultura e Imperialismo”, que nós inventamos um Oriente. E, ao inventar esse Oriente, ele se torna violento, exótico e libidinoso, que transita entre dança do ventre e homens bomba, e com isso nós alimentamos o preconceito e a xenofobia. A incapacidade de reflexão, que gera o preconceito, esse Darwinismo social que separa as pessoas por categorias (negros, índios, mulheres, gays) é muito usado para o Oriente, inclusive alimentado pelas mídias mundiais nos dizendo praticamente que o Oriente, em especial o Oriente Médio e o Islã, não pode ser “absorvido” pela cultura Ocidental, no máximo serem “beneficiados” com as “luzes da civilização”.
Logo após esses acontecimentos recentes em Paris, essa tragédia que nos prendeu nos noticiários durante dias, os “analistas” e “comentaristas” das redes sociais tiveram um prato cheio para saborear seus discursos de ódio durante dias. A xenofobia foi o prato principal, a falta de informação, pesquisa, páginas mal intencionadas compartilhando vídeos e informações sem fontes, sem contexto, usando do anacronismo histórico e todas as bizarrices facebookianas que já conhecemos bem. Pra piorar a situação, praticamente todas as pessoas e páginas que compartilham desses discursos são cristãs, na sua maioria evangélica. Para fazer um contraponto a isso na rede, eu citarei aqui alguns atos de violência e terrorismos cometidos por cristãos, somente para refrescar a memória seletiva dessa turma:
O Antigo Testamento contém afirmações em apoio aos conflitos armados e está recheado de narrativas bélicas e violentas. O cristianismo medieval foi um campo fértil para a violência em nome de Deus com o surgimento das ordens religiosas militares, como os Templários, os Hospitalares e os Cavaleiros Teutônicos, grupos que passaram a encarar pessoas que tinham outra fé, outra crença religiosa, como inimigas. Não se deveria ter clemência por esses povos!
Devemos lembrar também do Massacre da noite de São Bartolomeu (23 e 24 de agosto de 1572), que foi o ataque dos reis franceses católicos aos protestantes huguenotes (calvinistas e membros da Igreja Reformada). Não foi o primeiro nem o último ataque massivo aos protestantes franceses. Embora não o único, “foi o pior dos massacres religiosos do século”1H. G. Koenigsberger, George L. Mosse, G. Q. Bowler (1999), Europe in the Sixteenth Century, Second Edition, Longman ISBN 0582418631. Por toda a Europa, “imprimiu nas mentes protestantes a indelével convicção que o catolicismo era uma religião sanguinária e traiçoeira”2Chadwick, H. & Evans, G. R. (1987), Atlas of the Christian Church, Macmillian, London, ISBN 0-333-44157-5 hardback, p. 113.
Mas vamos avançar no tempo, trazendo fatos mais atualizados, como o Conflito na República Centro-Africana (2012– até o presente) e a Anti-balaka, no qual militantes cristãos assassinam seletivamente civis muçulmanos.
Lembremos também do Conflito na Irlanda do Norte, que tratava-se, em primeiro lugar, de um embate entre a população protestante (maioria), que desejava preservar os laços com a Grã-Bretanha, e a população católica (minoria), a favor da independência ou da integração da província com a República da Irlanda, ao Sul, um país predominantemente católico.
Os Atentados de 22 de julho de 2011 na Noruega consistiram numa explosão na zona de edifícios governamentais da capital Oslo, e num tiroteio ocorrido poucas horas depois, na ilha de Utoya (no lago Tyrifjorden, Buskerud). Os atentados, perpetrados por um ativista de extrema-direita e fundamentalista cristão, resultaram em pelo menos 76 mortos.
Os movimentos cristãos ortodoxos na Romênia, como Guarda de Ferro e Lăncieri, têm sido caracterizados por Yad Vashem e Stanley G. Payne como antissemitas e fascistas, respectivamente, foram responsáveis pela participação no massacre de Bucareste, e assassinatos políticos durante os anos 1930.
Já ouviram falar no Exército de Resistência do Senhor em Uganda? É um exército de guerrilha, considerados rebeldes, que lutam contra o governo de Uganda. São acusados de usar crianças como soldados e cometer inúmeros crimes contra a humanidade, incluindo massacres, sequestros, mutilação, tortura, estupro e trabalho infantil forçado como soldados, carregadores e escravas sexuais. Um movimento quase religioso que mistura alguns aspectos da fé cristã com a sua própria marca do espiritualismo que é liderado por Joseph Kony, que se proclama o porta-voz de Deus e um médium, principalmente do “Espírito Santo”, que os Acholi acreditam que pode representar-se de muitas manifestações. Os combatentes do LRA usam rosário e recitam passagens da Bíblia antes da batalha.
Nos EUA, no período de 1861-1865, os membros da organização liderada por protestantes, a Ku Klux Klan, começaram a se engajar em incêndios, espancamentos, queimas de cruzes, destruição de propriedades, linchamentos, assassinatos, estupros e chicotadas. Direcionados contra os afro-americanos, judeus, católicos e outras minorias sociais ou étnicas. (veja matéria completa aqui no site).
A violência existe, e é abundante no mundo. Ela é estrutural e histórica. Somos seres violentos naturalmente, frutos de culturas agressivas, mostradas desde a infância, nas escolas entre colegas, um fator que somente aumenta com o passar da idade; somos hostis no cotidiano, na família e no trânsito. A violência não é uma característica étnica, religiosa ou política. Ideologias são ferramentas para o uso da violência. O problema maior reside no fato de que sempre omitimos o “eu” disso tudo; a violência nunca é nossa, o problema sempre está no outro! Nosso etnocentrismo grita dizendo que a religião do vizinho é extremista, que isso é “fanatismo”, o meu é “liberdade religiosa”; o mesmo torcedor que acha que a outra torcida é “fanática”, (outra patologia extrema: fanatismo esportivo), acaba também fanatizado.
Como diz o historiador Leandro Karnal: “O fundamentalista/extremista é violento. Todas as religiões podem promover atos violentos e extremos, temos inúmeros exemplos disso na História. Infelizmente, esta é uma realidade, mas também é uma realidade que nós identificamos fundamentalismo apenas no outro e não em nós; apenas no mundo islâmico e não no nosso mundo ocidental. O islã tem protagonizado sim o atual terrorismo mundial, com seus braços armados, mas não devemos nunca subjugar toda uma etnia, uma nação, seu povo e sua cultura como terrorista.”
Como já diz a famosa frase de Sartre, que resumiu muito bem esse sentimento que os indivíduos aderiram ao seu cotidiano: “o inferno são os outros”!
Notas
Hoje temos os Gladiadores do Altar. Que tem a ideologia de “caçar” umbandistas e clandomblecistas.
Faltou o ‘National Liberation Front of Tripura’, bancado pela Igreja Batista.
lembrei do Grande Septo de Baelor, na cidade fictícia de Porto Real, no universo de As crônicas do gelo e do fogo
O pior é que para todos cristãos que eu já conversei sobre isso essas pessoas não são os “cristãos de verdade”, pra mim o maior sinal de idealismo é achar que a instituição que você faz parte ou o grupo que você se encaixa é totalmente bondoso e não tem nenhuma vocação para o mal. Afinal, o simples fato de sermos humanos nos habilita a ser estúpidos, faz parte de nossa natureza infelizmente…
Iris, Crisley, Luciane, Alberto
Chora q melhora