Conjecturas Histricas

Um subproduto da Guerra Civil Americana


No ano de 1866, no estado do Tennessee (região sudeste dos EUA), foi fundado um clube social que tinha como membros ex- soldados e veteranos confederados que haviam lutado na Guerra Civil Americana (ocorrida nos anos de 1861 a 1865). Representando os estados do sul do país, que haviam sido derrotados em batalha, a organização recebeu o nome de Ku Klux Klan!

A KKK era, na verdade, uma organização racista secreta que tinha entre seus objetivos resistir à política imposta pelos estados do norte após a Guerra Civil e intimidar os negros recém-libertos, impedindo sua inclusão social, seu direito a voto e aquisição de terras por estes,  garantido assim a supremacia branca no país. Seu nome , cujo registro mais antigo já conhecido é datado do ano de 1867, tem origem na palavra grega Kyklos, que significa “círculo”, e do termo em inglês para clã, que foi escrita com K para poder entrar no contexto do título, já que muitos acreditam que o nome foi inspirado no barulho feito quando se põe um rifle em ponto de atirar (mas não há provas sobre esse argumento).

chicago

Criada pelo general Nathan Bedford Forrest (que fez uma fortuna como mercador de escravos) tinha como membros vários veteranos da confederação sulista, tais como Calvin Jones, Frank McCord, Richard Reed, John Kennedy, John Lester e James Crowe. A Ku Klux Klan conseguiu crescer em proporções inimagináveis em muito pouco tempo, ampliando seu número de seguidores por diversos outros estados.

A própria criação dos Estados Confederados (Confederate States of America) têm sua origem influenciada por questões raciais. Ela foi uma unidade política nascida em seis estados sulistas agrários e escravistas (Alabama, Carolina do Sul, Flórida, Geórgia, Louisiana e Mississipi) logo após Abraham Lincoln ter vencido as eleições em  1860 e difundido suas ideias abolicionistas.

Um fato ocorrido em 12 de Abril de 1864, quase no final da Guerra de Secessão, teve sua origem na controversa questão escravocrata, e ilustra bem alguns fatos sobre o general  Forrest. No massacre de Fort Pillow, mais de 300 soldados afro-americanos foram mortos (esse número varia de acordo com as fontes), mesmo após a rendição da guarnição. As tropas de Forrest recusaram-se a tratá-los como prisioneiros de guerra, executado-os a sangue frio. Em seu livro “Unerring Fire”, o autor e historiador Richard L. Fuchs conclui: “ O caso Fort Pillow foi simplesmente uma orgia de morte, um linchamento em massa para satisfazer a mais vil das condutas – homicídio doloso – pelo mais vil dos motivos: o racismo e inimizade pessoal”. O historiador John V. Cimprich acrescenta: “Os novos paradigmas nos estudos sociais e uma melhor utilização das evidencias disponíveis nos favorece interpretar como ‘massacre’ este incidente. O debate sobre ele fez parte dos conflitos  seccionais e raciais por muitos anos pós guerra, mas a reinterpretação do evento nos últimos 30 anos oferece alguma esperança de que a sociedade pode ir alem da intolerância do passado”.

Nathan Bedford Forrest tenente general do exército confederado, o primeiro grande mago da KKK

Nathan Bedford Forrest, tenente general do Exército Confederado: o primeiro grande mago da KKK

Ulysses S. Grant, 18º presidente americano, como Comandante Geral trabalhou ao lado de Abraham Lincoln, liderando o Exército da União. Ele escreveu em suas memórias palavras que ouviu do próprio Forrest: “O rio foi tingido com o sangue dos mortos por quase 200 metros. Mais de 500 morreram, mas alguns oficiais escaparam. Meu prejuízo foi cerca de 20 mortos. Espero que esses fatos mostrem ao povo do norte que os negros não podem enfrentar os sulistas!”. Não por acaso, foram Forrest e seus comparsas veteranos os fundadores da Ku Klux Klan.

Com a já fundada organização, a fim de preservar suas identidades, os membros do clã usavam roupas brancas com capuzes que cobriam o rosto. Para que alguém pudesse entrar na seita era necessário passar por um ritual de iniciação, que consistia do candidato ser colocado dentro de um tonel e empurrado ladeira abaixo.

As letras marcadas na pele do homem acima são cicatrizes e ilustram a crueldade dos castigos da KKK. As pessoas que renegavam a fé protestante eram perseguidas e castigadas pelos membros da seita

As letras marcadas na pele do homem acima são cicatrizes e ilustram a crueldade dos castigos da KKK. As pessoas que renegavam a fé protestante eram perseguidas e castigadas pelos membros da seita.

Em 1871, o presidente Grant tornou o grupo irregular, reconhecendo a Ku Klux Klan como uma entidade terrorista. “Ela parecia ter desaparecido durante os últimos anos da década de 1880, mas foi revivida em meados do século 20”, diz a historiadora e jornalista americana Patsy Sims, da Universidade de Pittsburgh. Os membros da KKK costumavam fazer visitas surpresas aos negros e, através de chibatadas, forçavam-nos a votar nos democratas. Os brancos que apoiavam a abolição e os professores que davam aulas aos negros também eram perseguidos. Os membros da seita não aceitavam que os negros tivessem o direito à educação, dizendo que eram indignos e que nasceram para ser eternos escravos.

William Joseph Simmons (1880-1945) ápos assistir ao filme Nascimento de uma nação em 1915, o pastor metodista decidiu relançar a KKK

William Joseph Simmons (1880-1945), o pastor metodista que decidiu relançar a KKK.

O pregador metodista, William Joseph Simmons, depois de assistir ao filme “O Nascimento de Uma Nação”, trouxe a KKK de volta, iniciando o que podemos chamar de sua segunda fase. Simmons usou justificativas insólitas, afirmando, segundo depoimento registrado do próprio, que teve uma “revelação” em um dia do ano de 1901, quando viu uma nuvem passar por sua casa e transformar-se em um grupo de cavaleiros vestidos de branco. Foi essa mesma visão que teria passado a ele uma mensagem para que “libertasse a América dos estrangeiros”.

Cartaz de 'O nascimento de uma nação'

Cartaz de “O Nascimento de uma Nação”

A nova Ku Klux Klan que foi criada em 1915, no estado da Geórgia, e não era mais movida apenas pelo ódio contra os negros. Sua doutrina misturava agora nacionalismo e xenofobia a um sentimento romântico de nostalgia pelo “velho Sul”. Durante essa reencarnação, a Ku Klux Klan tinha como alvos de sua violência e intolerância os imigrantes, além de católicos (pois é uma organização que apoia o protestantismo), judeus e negros. A já conhecida cruz em chamas se tornou o símbolo da nova organização, que chegou a ter 4 milhões de membros em seu ápice na década de 1920.

Após a Grande Depressão dos anos 30, também chamada de Crise de 1929 (o pior e maior período de recessão econômica do século XX), ela perdeu força novamente, apesar de ter voltado a ativa na década de 60, durante os movimentos pelos direitos civis que defendiam a igualdade racial nos Estados Unidos. No fim dos anos 70, grupos anti-Klan deram o golpe final na organização ao atingir o bolso dos líderes racistas, exigindo nos tribunais grandes indenizações para vítimas de seus atos violentos. “Embora a Ku Klux Klan ainda exista, sua força hoje é pequena. A maioria dos militantes radicais aderiu a grupos ainda mais violentos de defesa da supremacia branca, como a Nação Ariana e outras organizações ligadas ao neonazismo”, afirma Patsy. Apesar disso, a queda da segunda fase da KKK causa certas divergências entre pesquisadores. Alguns acreditam que a organização teria encerrado de vez em 1944 por causa de dívidas, e outros creem que sua derrocada foi motivada pela propagação de ideias contra a perseguição racial, após a Segunda Guerra Mundial, e a Declaração dos Direitos Humanos, em 1948.

Mas estes remanescentes da Ku Klux Klan ainda estão por aí. Apenas nos estados do Alabama, Mississippi e Geórgia, entre 1954 e 1966, várias igrejas católicas, líderes sindicais e todos aqueles que se manifestavam a favor dos direitos civis foram atacados. Em 1964, um atentado de autoria da KKK resultou na morte de três defensores dos direitos civis, um episódio retratado em 1988 no filme Mississippi em Chamas, do diretor Alan Parker. Em um documentário de 1975 chamado Attack on Terror: The FBI vs. the Ku Klux Klan (“Ataque ao terror: o FBI versus Ku Klux Klan”), estes mesmos acontecimentos são narrados. E em 1990, foi realizado um especial para a televisão, Assassinato no Mississippi, Aleluia”, também baseado no mesmo caso.

david duke natural de Oklahoma, foi o grande mago da atual formação da KKK, já escreveu livro anti-semita e é eterno candidato ás prévias para presidente dos EUA

David Duke, natural de Oklahoma, foi o grande mago da atual formação da KKK. Já escreveu um livro anti-semita e é eterno candidato ás prévias para presidente dos EUA.

A Ku Klux Klan tem uma visão política de extrema direita. Embora a sigla KKK remeta ao passado intolerante dos estados sulistas americano, o grupo ainda exerce atividade política nos EUA. Existe uma linha tênue entre a organização e grupos neonazistas, a ponto dos partidários das duas facções unirem-se, formando híbridos como a Imperial Klans of America (IKA), formada em 1997, que se proclama a maior organização desse tipo, atrás somente da própria KKK. Além de perseguir os negros, judeus e católicos, esse novo braço também persegue as feministas, comunistas e homossexuais.

Pode-se dizer que essa é a terceira fase da KKK que parece existir até hoje…

Separator

Compartilharei aqui um trecho da crítica de Inácio Araujo, crítico da Folha de S.Paulo feita em 2006 sobre o  filme “Mississipi em Chamas”:

O confronto de “Mississipi em Chamas” se dá entre os racistas do Sul, que matam alguns militantes da causa da igualdade racial, e o governo central, representado pelos policiais.

No fundo, estamos naquilo que disse Gilles Deleuze: todo o cinema americano consiste, basicamente, em refilmar “O Nascimento de uma Nação”, infinitas vezes. É da tensão entre união e federação que se trata: que lei vale mais, a do Estado ou a da nação? A quem devo obedecer: aos costumes locais ou às ordens advindas do poder central?

Desse dilema, nasce a Ku-Klux-Klan, disposta a fazer valer a tradição segregacionista do Sul. E, por conta disso, entram em ação os agentes do FBI. Estamos em 1964, no coração desses conflitos, e o Mississipi não quer entregar os pontos.

 

Abaixo disponibilizo o link com o filme “O Nascimento de uma Nação” na íntegra. Lançado em 8 de fevereiro de 1915, o filme foi co-escrito e co-produzido e dirigido por D. W. Griffith, e baseado no romance e na peça The Clansman, de Thomas Dixon, Jr. O filme foi alvo de polêmicas, tanto na época do seu lançamento como posteriormente. A interpretação racista sobre a Guerra de Secessão norte-americana é perceptível desde a representação dos negros na telona (na verdade, atores brancos pintados de preto) à conclusão do que seria o nascimento dos EUA enquanto nação: a formação da Ku Klux Klan.

 

Estão disponíveis muitos bons documentários no Youtube sobre o tema (quase todos em inglês – alguns com legenda disponível), de canais como History, Discovery e NatGeo. São canais que possuem um tom bem “sensacionalista”, sem dúvida, mas vale assistir sobretudo pelas imagens raras e históricas que possuem. Deixarei alguns links logo abaixo:

 

Mais alguns filmes recomendados:

  • Malcolm X” (1992), do gênero drama biográfico, dirigido por Spike Lee
  • A Cor Púrpura” (1985), dirigido por Steven Spielberg
  • Crash – no limite” (2004), um drama dirigido por Paul Haggis
  • Selma” (2014), dirigido por Ava Duvernay e escrito por Paul Webb.

Este texto, como os das demais colunas opinativas do portal, é de responsabilidade do autor e não reflete necessariamente o ponto de vista dos demais colunistas ou do papodeprimata.com.br.


Alisson T. Araujo

Gaúcho dos que gosta de um chimarrão bem amargo, acadêmico do curso de História e pesquisador, técnico em radiologia, músico, guitarrista e um amante da libidinosa Ciência e Filosofia. Seu foco em história é povo, cultura e religião, com ênfase em monoteísmos, suas influencias, origens e a eterna dúvida sobre sua verdadeira função social. Fã de cinema, música, séries, HQ’s e cultura pop.

Veja tambÉm...

6 respostas

  1. O engraçado (ironicamente) é que no filme “O Nascimento de uma Nação”, de David Griffith, foi feito inteiramente com um propósito de justificar as ações do grupo em questão. No filme, os “negros” do sul têm um comportamento incomum para a época (pois eram nada além de escravos); festejam, sorriem, brincam ao lado de seus algozes. A construção desse filme é feita de maneira a se fazer entender que os problemas da nação (as intrigas de norte e sul), foram causadas diretamente pelos negros. O fato de nos identificarmos com ambas as famílias (brancas), e nos deparamos com negros “sanguinários” e “violentos”, “sem nenhum senso de justiça”, faz com que “justifique” o nascimento e as ações da KKK.

  2. Foi um religioso ou clérigo protestante Nathan Berdford que criou essa porqueira – mais um mimo dessa gente da Bíblia rsrsrsrs

  3. Lembro que quando era adolescente li “…E O Vento Levou”, de Margaret Mitchell. Fiquei escandalizado vendo Ashley Wilkes e outros mocinhos do romance integrando a Ku Klux Klan.

  1. 28 de dezembro de 2015

    […] contra os afro-americanos, judeus, católicos e outras minorias sociais ou étnicas. (veja matéria completa aqui no […]

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

PAPO DE PRIMATA precisa ter certeza de que você não é um robô! Por favor, responda à pergunta abaixo: * Time limit is exhausted. Please reload CAPTCHA.